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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos
 
Imagens escritas de uma viagem: a sensibilidade no olhar de Lygia Fagundes Telles em Passaporte para China
 
 
Os chineses não são nem superiores nem inferiores aos outros povos,
são apenas diferentes.
(Claude Farrère)
 


O mundo oriental é para os ocidentais um grande mar misterioso. Antonio Dimas, no seu texto, “Felina China”, no posfácio do livro Passaporte para China discorre acerca da significação complexa do termo “chinês”. Desde Marco Polo, no século XIII, a China ainda é motivo de encantamento e assombro. 

Na Literatura Brasileira, os chineses aparecem, por vezes, estereotipados. Antonio Dimas, no mesmo texto, menciona as produções de Machado de Assis, Artur Azevedo, Olavo Bilac e João do Rio para os quais os chineses são sempre personagens pejorativas. Deste último autor, destacamos a crônica “Visões d’ópio”, presente em seu livro A alma encantadora das ruas (1908). Nela, João do Rio descreve o Beco dos Ferreiros como uma das lôbregas bodegas de Xangai, um ambiente nauseabundo no qual os “chins” são tratados como porcos. 

Porém, não é essa a visão dos chineses nas crônicas de Lygia Fagundes Telles em seu livro Passaporte para China (2011). A visão mórbida da Antiga China cede espaço para a Nova China de 1960, ano em que a autora faz sua excursão pelo gigante país milenar asiático. O chinês descrito pela escritora é marcado pela transição política. Um homem ainda misterioso, de cultura diferente diante de outros homens de costumes distintos. Uma China que convive com o antigo e o novo. Um país em pleno desenvolvimento, em plena transformação, sobretudo no que tange aos direitos femininos. Mulheres que antes eram apenas tratadas como bibelôs, agora adquirem dignidade. 

Todavia, Antonio Dimas nos alerta:

A intenção de Lygia – que isso fique bem claro! – não é inaugurar uma nova visão brasileira sobre a China. Longe disso! Mas ser um depoimento honesto e sensível, cuja vantagem pode ser resumida a três itens: o da oportunidade histórica, porque feita em cima da grande virada política; o da descontaminação ideológica, venha ela de que direção vier; o da sensibilidade do escritor atento e treinado para enxergar a minúcia, com humor explícito ou não, sem receio do murmúrio da recriminação sectária. (TELLES, 2011, p. 84).

Lygia integrou a delegação brasileira, convidada para as festividades do 11º aniversário da República Popular da China em outubro de 1960. Além de Lygia, compondo a delegação estavam Peregrino Júnior (escritor), Raymundo de Magalhães Júnior (escritor), Helena Silveira (jornalista), Adão Pereira Nunes (escritor), Maria Della Costa (atriz) e Sandro Polônio (empresário).

Como num diário, Lygia escreveu suas impressões e expressões dos lugares que visitou até chegar à China. Diante de um mundo completamente diferente do seu, a autora registra, em escrita fluente, as cores do país de Mao Tsé-tung. Textos que foram datados e publicados naquela mesma época no jornal carioca Última Hora, a pedido de Samuel Wainer, jornalista que fundou esse periódico em 1951. [...] 

Como se estivesse com uma máquina fotográfica nos olhos, Lygia vai registrando tudo o que vê: “guardo aquela esquina com a velha vendedora de flores”, “guardo o perfil de uma enorme árvore e guardo o perfil de uma estátua” (p. 20). As crônicas de Lygia são praticamente uma poética do olhar. A sua visão absorve sensibilidade no menor lance. Com seus olhos de objetiva, a imagem captada aciona uma teia imagética na autora. Então, sua memória é imediatamente acionada. Tudo o que vê é motivo para analogias, sejam elas reais, imaginárias, literárias e pessoais. [...]

Passaporte para China é desses livros que fazem o leitor viajar para lugares tão longínquos que, para muitos, só é possível através da literatura. Com uma linguagem simples, como se estivesse conversando com o leitor, Lygia nos convida a “pegar carona” com sua caneta para, através o mundo, entrar em contato com outras culturas. Se ela teve medo de enfrentar essa viagem? Sim, teve. Mas ela sabe “que o escritor deve encarar o medo para assim poder escrever sobre ele” (p. 37).

Possamos nós também enfrentar o medo que nos prende em nossas raízes e, como Lygia, flutuar por lugares desconhecidos. Se as condições da vida não nos permitem uma prática de estrada, iniciemos nossa viagem através da leitura. Para isso não é preciso passaporte nenhum, apenas a sensibilidade que nos faz ser seres humanos. Boa viagem...


 
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Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 07/09/2014
Alterado em 13/05/2017
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